segunda-feira, 28 de maio de 2012

O guarda-redes medroso



O guarda-redes medroso


Era um guarda-redes muito medroso. Quanto mais medo tinha, à frente da baliza, 
mais bolas deixava entrar. 
- Este guarda-redes não presta para nada. É um frangueiro e a baliza, que ele 
devia guardar, uma capoeira - disse o treinador. - Não o quero na equipa,
 nem para suplente do suplente do suplente. Fora com ele. 
E o guarda-redes medroso foi despedido. Que havia ele de fazer? 
Como já estava habituado a guardar, embora mal, foi para guarda-portão 
ou porteiro de um grande banco. Podia ser pior, sei lá: guarda-loiça, 
guarda-vestidos, guarda-vento... 
Mas não teve êxito, no novo emprego. Ganhou tanto medo que o banco, 
um dia, pudesse ser assaltado e ele responsabilizado por não ter feito
 frente aos assaltantes, que passava o tempo a tremer. 
- Está com febre ou está com medo? - perguntou-lhe o director do banco. 
- Em qualquer dos casos, a sua fraca presença à porta não dá 
segurança aos depositantes. Vá para casa. 
E o guarda-portão, que tinha sido guarda-redes, foi despedido. 
Que havia ele de fazer? Como já estava habituado a guardar, embora mal, 
foi para guarda-freio, que é nome que dão aos condutores
 dos carros-eléctricos. Podia ser pior, sei lá: guarda-comidas,
 guarda-jóias, guarda-chuva... 
Mas foi um fiasco. Tinha tanto medo que o carro-eléctrico, nas curvas,
 derrapasse e descarrilasse, que nunca conseguia sair do mesmo sítio. 
Os passageiros protestavam, os outros carros-eléctricos, que vinham atrás,
 tilintavam e todo o trânsito interrompido, empanturrado de automóveis
 e de autocarros, apitava, buzinava, trombeteava, num desespero. 
- Saia do seu lugar, sua azémola, que é para não dizer cavalgadura -
 berrou-lhe aos ouvidos um polícia, tomando conta da ocorrência e dos
 freios do carro-eléctrico. - Saia e nunca mais volte a pôr os pés num
 transporte público. Só não lhe digo ponha-se na rua, porque você
 nunca devia ter saído de casa. 
E o guarda-freio, que tinha sido guarda-portão e guarda-redes, foi despedido
 Que havia ele de fazer? Como já estava habituado a guardar, 
com os resultados que se sabe, foi para guarda florestal. Podia ser pior
 sei lá: guarda-roupa, guarda-sol, guarda-lamas... 
A princípio, todo aquele isolamento, no meio da floresta, o aterrorizava. 
Qualquer bicada de pica-pau num tronco, qualquer esvoaçar de melro,
 ao cimo das árvores, e o guarda florestal ficava com os cabelos
 tão em pé que até o boné lhe subia uns centímetros acima da testa. 
Sem exagero. 
Um dia, sabe-se lá porquê, desencadeou-se um fogo na floresta 
que o guarda florestal guardava. Quando o sentiu e quando o viu crescer 
em labaredas altas, o guarda florestal apanhou tal susto que desatou 
a correr, a correr, a correr que só parou de encontro ao muro do 
fundo do quartel dos bombeiros, porque já não havia mais chão para correr. 
- Fogo! Fogo! - tentava ele gritar, sem fôlego. 
Os bombeiros acudiram e o fogo foi apagado a tempo. 
- Se o guarda florestal não tivesse vindo avisar com urgência, 
se ele não tivesse sido tão rápido, se não fosse a sua energia e o 
seu destemor, tinha acontecido uma grande desgraça - comentou o chefe dos bombeiros. 
Elogiado, homenageado, condecorado, o guarda florestal sentia-se outro. 
Nunca mais teve medo de andar, sozinho, na floresta.
 Ele tinha sido um valente guarda florestal, toda a gente o dizia e ele
próprio também achava. 
Tanto assim que está a pensar mudar de profissão. Hesita.
 Ser guarda-nocturno tenta-o. Ou guarda-costas. Ou guarda republicano.
 Até talvez, um dia, experimente, de novo, o lugar de guarda-redes. 
Já nada lhe mete medo.

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