Era um guarda-redes muito medroso. Quanto mais medo tinha, à frente da baliza,
mais bolas deixava entrar.
- Este guarda-redes não presta para nada. É um frangueiro e a baliza, que ele
- Este guarda-redes não presta para nada. É um frangueiro e a baliza, que ele
devia guardar, uma capoeira - disse o treinador. - Não o quero na equipa,
nem para suplente do suplente do suplente. Fora com ele.
E o guarda-redes medroso foi despedido. Que havia ele de fazer?
E o guarda-redes medroso foi despedido. Que havia ele de fazer?
Como já estava habituado a guardar, embora mal, foi para guarda-portão
ou porteiro de um grande banco. Podia ser pior, sei lá: guarda-loiça,
guarda-vestidos, guarda-vento...
Mas não teve êxito, no novo emprego. Ganhou tanto medo que o banco,
Mas não teve êxito, no novo emprego. Ganhou tanto medo que o banco,
um dia, pudesse ser assaltado e ele responsabilizado por não ter feito
frente aos assaltantes, que passava o tempo a tremer.
- Está com febre ou está com medo? - perguntou-lhe o director do banco.
- Está com febre ou está com medo? - perguntou-lhe o director do banco.
- Em qualquer dos casos, a sua fraca presença à porta não dá
segurança aos depositantes. Vá para casa.
E o guarda-portão, que tinha sido guarda-redes, foi despedido.
E o guarda-portão, que tinha sido guarda-redes, foi despedido.
Que havia ele de fazer? Como já estava habituado a guardar, embora mal,
foi para guarda-freio, que é nome que dão aos condutores
dos carros-eléctricos. Podia ser pior, sei lá: guarda-comidas,
guarda-jóias, guarda-chuva...
Mas foi um fiasco. Tinha tanto medo que o carro-eléctrico, nas curvas,
Mas foi um fiasco. Tinha tanto medo que o carro-eléctrico, nas curvas,
derrapasse e descarrilasse, que nunca conseguia sair do mesmo sítio.
Os passageiros protestavam, os outros carros-eléctricos, que vinham atrás,
tilintavam e todo o trânsito interrompido, empanturrado de automóveis
e de autocarros, apitava, buzinava, trombeteava, num desespero.
- Saia do seu lugar, sua azémola, que é para não dizer cavalgadura -
- Saia do seu lugar, sua azémola, que é para não dizer cavalgadura -
berrou-lhe aos ouvidos um polícia, tomando conta da ocorrência e dos
freios do carro-eléctrico. - Saia e nunca mais volte a pôr os pés num
transporte público. Só não lhe digo ponha-se na rua, porque você
nunca devia ter saído de casa.
E o guarda-freio, que tinha sido guarda-portão e guarda-redes, foi despedido
E o guarda-freio, que tinha sido guarda-portão e guarda-redes, foi despedido
Que havia ele de fazer? Como já estava habituado a guardar,
com os resultados que se sabe, foi para guarda florestal. Podia ser pior
sei lá: guarda-roupa, guarda-sol, guarda-lamas...
A princípio, todo aquele isolamento, no meio da floresta, o aterrorizava.
A princípio, todo aquele isolamento, no meio da floresta, o aterrorizava.
Qualquer bicada de pica-pau num tronco, qualquer esvoaçar de melro,
ao cimo das árvores, e o guarda florestal ficava com os cabelos
tão em pé que até o boné lhe subia uns centímetros acima da testa.
Sem exagero.
Um dia, sabe-se lá porquê, desencadeou-se um fogo na floresta
Um dia, sabe-se lá porquê, desencadeou-se um fogo na floresta
que o guarda florestal guardava. Quando o sentiu e quando o viu crescer
em labaredas altas, o guarda florestal apanhou tal susto que desatou
a correr, a correr, a correr que só parou de encontro ao muro do
fundo do quartel dos bombeiros, porque já não havia mais chão para correr.
- Fogo! Fogo! - tentava ele gritar, sem fôlego.
Os bombeiros acudiram e o fogo foi apagado a tempo.
- Se o guarda florestal não tivesse vindo avisar com urgência,
- Fogo! Fogo! - tentava ele gritar, sem fôlego.
Os bombeiros acudiram e o fogo foi apagado a tempo.
- Se o guarda florestal não tivesse vindo avisar com urgência,
se ele não tivesse sido tão rápido, se não fosse a sua energia e o
seu destemor, tinha acontecido uma grande desgraça - comentou o chefe dos bombeiros.
Elogiado, homenageado, condecorado, o guarda florestal sentia-se outro.
Elogiado, homenageado, condecorado, o guarda florestal sentia-se outro.
Nunca mais teve medo de andar, sozinho, na floresta.
Ele tinha sido um valente guarda florestal, toda a gente o dizia e ele
próprio também achava.
Tanto assim que está a pensar mudar de profissão. Hesita.
Tanto assim que está a pensar mudar de profissão. Hesita.
Ser guarda-nocturno tenta-o. Ou guarda-costas. Ou guarda republicano.
Até talvez, um dia, experimente, de novo, o lugar de guarda-redes.
Já nada lhe mete medo.
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